12 de Outubro
- Aragonés Errante
- 12 de out. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 10 de ago. de 2022
Conta a lenda que nesta data a mãe de Jesus se apareceu ao apóstolo Santiago, que duvidava da sua capacidade para evangelizar Espanha, e pediu para o céu um sinal. No ano 40, Maria materializou-se na capital de Aragão em uma pequena igreja perto do rio Ebro, deixou como presente uma pequena coluna ou pilar de jaspe como símbolo de sustentação da igreja católica, até ela ficar em pé, a fé acompanharia o povo da Espanha.
Anos depois o local viraria ponto de peregrinação para os católicos, mais tarde foi construída a Basílica, uma das famosas de Europa.
Esta lenda muito resumida no parágrafo anterior, é ensinada para todos os zaragozanos antes quase de aprender a ler. Durante o dia doze é realizada uma oferenda de flores para a padroeira da cidade (da Espanha, do exército e da Hispanidade) onde as pessoas agradecem, vestidos com trajes tradicionais, a proteção da "Mãe de todos". É uma semana de festas, onde se unem, o folclore aragonés, religiosidade, comidas tradicionais e reuniões familiares.
Maria do Pilar, Pilar, Pilarin para seu esposo e os próximos. Cada doze de outubro acordava cedo, começava cozinhar, durante a semana visitava cada mercado, não podia faltar nada.
Pilarin cozinhava tudo que a familia gostava em quantidades inmensas, era sua forma de mostrar o amor que sentia pelos seus. Aquele dia quase ninguém tomava café da manhã, o neto ou genro que chegasse sem fome poderia ser expulso da casa e também da familia.
A mesa de madeira redonda parecia crescer para a data, a sala de jantar ficava pequena, os pratos acumulados eram acomodados em outros móveis.
Mesmo com um pessoal "bom de garfo" sempre sobravam aquelas maravilhas com sabor de tempero de avó, só elas sabem cozinhar desse jeito, sabor de infância, sabor de nostalgia, de molhos intensos, daqueles que untamos com pão para não deixar nada no prato.
Faz oito anos que Pilarin foi embora, antes disso ela fez duas coisas, o almoço do dia do Pilar foi transferido para Agosto, porque "onde há capitão não manda marineiro" como ela falava. Como sempre, com quase 90 anos cozinhou para dois exércitos, seus olhos brilhavam, não parava sentada na sua cadeira, ia para cozinha e voltava com três pratos mais, fulminando com aqueles olhos intensos quem não tinha terminado ainda o anterior.
Muitas risadas, muitas histórias, alguma "jota" (canção tradicional) e uma taça de champagne com a que Pilarin sempre ficava vermelha e dava risada porque o álcool nunca foi colega dela.
Uma semana depois dona Pilar foi internada, estava com um câncer terminal, impossível imaginar essa tragédia, forte daquele jeito, falando pelos cotovelos, contrariou os médicos.
Sua familia ficou do lado, familia matriarcal, eles pensavam que ela era imortal (na verdade era) porém a lei da vida é implacável e acabou levando-a. Firme até o fim, não ficou com roupa de hospital, pouco antes de falecer se arrumou, ficou sentada porque "não era mulher de ficar deitada", conversou com seus netos e até tirou umas fotos. Não teve medo, não teve queixas nem lamentos, parecia que sua missão estava cumprida.
Antes do seu neto mais velho voltar para onde morava, fez questão de mandar fazer um pigente da "virgem do pilar", arrumar uma corrente que sempre usava e entregar para ele, "Teus avós te amam" dizia a inscrição. Ela sabia que não voltaria a vê-lo.
Oitos anos que este dia é mais triste que os anteriores. Porém como conta a lenda, a "Mãe de todos" deixou uma coluna, um pilar que segue firme mesmo com o passo do tempo, com as mudanças, com as dificuldades da vida. Exemplo de como a vida (e a morte) deve ser enfrentada, com elegância, honestidade, sinceridade e claro, com bom humor.
"Yaya, te quiero."
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